A dispensa da certidão negativa de débitos e a insustentabilidade da recuperação judicial das empresas – SINPROFAZ

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3 de outubro de 2012

A dispensa da certidão negativa de débitos e a insustentabilidade da recuperação judicial das empresas


Alexandre Carnevali da Silva
Procurador da Fazenda Nacional

Muito se fala sobre sustentabilidade. Sustentabilidade é a palavra de ordem nas questões de meio ambiente e economia. No meio ambiente a palavra ganha força por conta da necessidade de manutenção de um meio ambiente saudável, e na economia a palavra ganha força por conta da necessidade de sobrevivência da atividade econômica em longo prazo. Nesse campo, as teorias econômicas evoluíram para considerar o lucro não mais como o objetivo único e de curto prazo, mas sim como elemento sustentador da saúde da empresa, junto com outras posturas para sua manutenção no mercado, afinal, uma empresa é parte e, ao mesmo tempo, interage com toda a sociedade.

O leitor pode, com as singelas assertivas acima, concordar que uma empresa deve pensar na sustentabilidade do seu negócio, e que soluções rápidas podem não ser soluções “sustentáveis”.

Pois bem, é nessa linha que pretendemos desenvolver a idéia de que dispensar uma sociedade da apresentação da certidão de regularidade fiscal, afeta a “sustentabilidade” do processo da recuperação judicial, e por conseqüência, a sustentabilidade da própria empresa.

De longa data se afirma que uma empresa que pretende a recuperação judicial não tem condições de apresentar a certidão aqui tratada, justamente por que está em dificuldades, e por estar em dificuldades, não tem como quitar seus tributos. Há um erro nesse raciocínio porque a certidão de regularidade fiscal pode ser obtida com o mero parcelamento dos tributos atrasados, e não apenas com a quitação integral dos mesmos. É a conhecida certidão positiva com efeitos de negativa.

Na esfera federal basta a quitação inicial de 1/60 avos dos tributos (isto é, o pagamento da primeira parcela, pois o parcelamento federal ordinário pode ser obtido em até sessenta vezes) e o interessado obtêm o documento pretendido pelo artigo 57 da lei de Recuperação Judicial.

E por qual razão falamos em sustentabilidade no início desse singelo texto? Porque de nada serve um plano de recuperação judicial se a cobrança tributária literalmente “pipocar” logo em seguida em face da empresa, uma vez que os tributos continuarão exigíveis e darão ensejo ao prosseguimento das execuções fiscais.

Nesse sentido foi a mens legis ao definir, como pressuposto da concessão da recuperação judicial a apresentação da certidão de regularidade fiscal. Não se trata da mera sanha arrecadatória do fisco. A questão se resume em não proceder a um complexo trabalho de recuperação judicial fadado ao fracasso final, por conta de inúmeras execuções fiscais que com a mais cristalina certeza, bombardearão a sociedade recém recuperada.

A dívida tributária permanecerá, e o processo de execução fiscal, continuará. Proceder a uma recuperação judicial sem atentar para esse dois fatos é proceder a uma recuperação de curto prazo, sem sustentabilidade alguma, o que põe por terra justificativas como “a sobrevivência da empresa”, a “manutenção dos empregos”, e outras que necessariamente precisam estar calcadas na já citada sustentabilidade do negócio.

Como dito mais acima, se apenas fosse possível obter a certidão de regularidade fiscal com o pagamento integral dos tributos, sua dispensa realmente faria sentido. Porém, há de se registrar que o mero parcelamento dos tributos permite a obtenção do documento. E é justamente o parcelamento das dívidas civis, gerais, que de certa forma a empresa busca no seu processo de recuperação judicial.

Registre-se, mais uma vez que na esfera federal é possível o parcelamento comum em até sessenta vezes, o que representa cinco anos para quitação da dívida. Registram-se também os programas pretéritos do governo federal aonde dívidas podiam ser parceladas em até quinze anos, como o REFIS II (lei 10.684/03) e o REFIS IV (lei 11.941/09). Nessas situações o sujeito também obtém a certidão positiva com efeitos de negativa. Há quem diga que o prazo do parcelamento pode ser exíguo, para o implemento da recuperação, mas observe o leitor que estamos a falar de um prazo ordinário de sessenta meses, ou cinco anos, para a quitação.

De fato a redação dos artigos 57 da lei 11.101/2005 e 191-A do Código Tributário Nacional, numa rápida leitura, aponta para a quitação total dos tributos, mas observe o leitor que esses mesmos artigos trazem à tona o artigo 151 do mesmo código, que trata da suspensão da exigibilidade com base no parcelamento.

Muitos artigos jurídicos elencam situações aonde a empresa que solicita a recuperação já é, naturalmente, devedora do fisco, e o fisco é sempre o primeiro a ser preterido num momento de crise pois as empresas buscam satisfazer seus fornecedores em primeiro lugar, e exigir a quitação dos tributos seria o mesmo que as condenar à falência, invertendo a ordem de prioridades. Dizem outros que a exigência da certidão é uma exigência política do fisco, absolutamente injustificável. O curioso é que ninguém fecha a equação “do que fazer” logo após a recuperação, com as execuções fiscais remanescentes.

É fato indiscutível que, se a empresa nada parcelar, as execuções fiscais cedo ou tarde prosseguirão, e todo o complexo trabalho elaborado pelo Poder Judiciário na recuperação, resultará num nada social. Ou no ínício da recuperação, como quer a legislação, ou eventualmente no seu decorrer (o que já é contrário à lei), o parcelamento das dívidas tributárias deverá acontecer, e não pura e simplesmente fingir-se que a dívida tributária não existe.

O ato de se analisar demonstrações contábeis e financeiras permite conhecer a situação econômica das empresas, possibilitando a tomada de decisões acertadas, e previsão das tendências futuras – nesse sentido, temos que a dívida fiscal de uma empresa não pode ser ignorada, e a dispensa da certidão de regularidade fiscal é perigoso vetor de problemas futuros, pois não permite a tomada da decisão financeira mais acertada.


A idéia da recuperação judicial não pode ser a de “ganhar tempo”. Deve ser a recuperação real, propriamente dita. Cabe ao Juízo de Direito a enorme tarefa de separar o “joio do trigo”, separar as empresas que de fato têm condições de se recuperar daquelas que pretendem apenas “ganhar um tempo”.

O legislador ao exigir a apresentação da certidão de regularidade fiscal (que, repita-se, pode ser obtida com o parcelamento) intuiu a necessidade da sustentabilidade da medida, pois as dívidas tributárias permanecerão. Empregos e fornecedores, empresa e produtos acabarão por deixar de existir, cedo ou tarde, se não houver a pretendida sustentabilidade econômica.

Ainda que em um caso concreto seja a certidão dispensada, o que é contrário a norma legal, ao menos um juízo de valor deverá existir em se aquilatar o volume da dívida tributária. A informação do passivo fiscal deverá ser colacionada pela Fazenda Pública, e como dito acima, em algum momento deverá ser exigida a certidão de regularidade fiscal. Afinal, custa acreditar na recuperação de uma empresa que, v.g., apresente uma dívida tributária cinco ou seis vezes maior do que o patrimônio total disponível.

Para melhor provar a assertiva, notadamente em casos aonde a recuperação pressupõe também a venda de ativos da empresa, trazemos ao leitor alguns aspectos discutidos no bojo do Agravo de Instrumento Nº 0017542-89.2012.4.03.0000/SP (2012.03.00.017542-0/SP), que considerou ineficaz a alienação de um imóvel. Referido bem estava penhorado em uma execução fiscal, e no processamento da recuperação judicial da empresa devedora, ele foi alienado. Como na recuperação judicial não havia qualquer plano para pagamento dos tributos, foi declarada a ineficácia da venda do bem. Observe o leitor a sensibilização da questão tributária no processo da recuperação, e como uma decisão da esfera judiciária federal impactou no mesmo.

Vale ressaltar ainda que uma decisão que afaste a aplicação do art. 57 da Lei 11.101/05, como quer boa parte dos artigos sobre o tema, parte de premissas totalmente equivocadas, segundo as quais a apresentação de CND inviabilizaria o plano de recuperação judicial e que as Fazendas Públicas não sofreriam nenhum prejuízo, porquanto o deferimento da recuperação não suspenderia as execuções fiscais, conforme art. 6º, §7 do mesmo diploma legal.

Os Juízos Estaduais, conforme verificado na prática diária, determinam que as execuções fiscais devem continuar, mas desde que não inviabilizem o plano de recuperação. Esse é justamente o ponto nevrálgico que surge, no mesmo sentido da decisão acima relatada: o que fazer com a dívida fiscal nas recuperações judiciais onde o plano de recuperação prevê a alienação de todo patrimônio da empresa?

Trata-se de verdadeiro aporismo, porquanto as execuções fiscais não são suspensas, porém perdem completamente a efetividade, pois não haverá patrimônio a ser constrito e leiloado. Destarte, a interpretação dada por alguns à Lei 11.101/05 retira completamente a efetividade da busca forçada do crédito tributário, numa verdadeira revogação de conteúdo.

O leitor deve, contudo, perceber que as Fazendas Públicas não participam do plano de recuperação judicial por uma questão de lógica: falta-lhes interesse, já que o art. 57 da Lei 11.101/05 exige a apresentação de certidão negativa de débito, ou comprovação da suspensão da exigibilidade débito.

Quando a Lei 11.101/05 prescreveu que as execuções fiscais não se suspendem pelo deferimento do processamento da recuperação judicial, ela tratou das novas inscrições em dívida ativa, porquanto as dívidas anteriores necessariamente deveriam estar quitadas ou com a exigibilidade suspensa, pela prova da juntada da certidão.

Dessa forma, uma recuperação judicial nesses moldes relatados, além de causar prejuízo ao erário, não soluciona a continuidade da empresa em face das execuções fiscais remanescentes, e pode constituir-se em falência de fato, às avessas, sem considerar a ordem correta dos créditos devidos.

Ressaltamos por fim que não há “milagre” no mundo dos negócios. Muitos milagres no mundo dos negócios ocorrem por favoritismo, às vezes de cunho duvidoso, outros tantos de grandes apostas de alto risco negocial; e mais uma vez, insistimos, se não resta possível o parcelamento em longos cinco anos do passivo fiscal, a recuperação real e efetiva de um negócio ganha contornos de milagre.

Ainda que seja de fato dispensada a apresentação da certidão em debate para o iniciar da recuperação, algum plano para pagamento dos impostos haverá de existir, com a participação da Fazenda Pública, e no decorrer do processo da recuperação essa certidão comprobatória dos parcelamentos deverá ser colecionada aos autos, e mesmo que a lei não a exigisse, a pura e simples existência da dívida tributária já implicaria nessa postura.

A questão começa a se delinear como lógica. Há de se ter alguma sustentabilidade econômica e social na recuperação judicial das empresas.

Referências bibliográficas

1 – Sustentabilidade Financeira – Proposta de indicador de sustentabilidade financeira aplicável às micro e pequenas empresas, Miriane de Almeida Fernandes, disponível em http://www.faccamp.br/madm/Documentos/producao_discente/2011/02fevereiro/MirianeAlmeidaFernandes/sustentabilidade_financeira-proposta_de_indicador_de_sustentabilidade_financeira_aplicAvel_as_micro_e_pequenas.pdf, acesso em 07/09/2012

2 – A Gestão Ética, Competente e Consciente, tributo à memória de E.F. Schumacher, Messias M. de Castro e Lúcia Maria Alves de Oliveira – Prefácio de Rubens Ricupero – Mbooks, 2008.

3 – Manifestação sobre recuperação judicial e execução fiscal, Dr. Rafael Carlos Cruz de Oliveira, Procurador da Fazenda Nacional, exarada no bojo de execução fiscal de Grande Devedor, São Bernardo do Campo, 2011



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