ARTIGO: O presidente Lula e os paraísos fiscais – SINPROFAZ

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21 set, 2009

ARTIGO: O presidente Lula e os paraísos fiscais


Para materializarmos a vontade do presidente da República, no âmbito doméstico, basta começarmos pela imediata alteração da Instrução Normativa nº 748, de 28 de junho de 2007, da Receita Federal do Brasil, que disciplina a inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) das pessoas jurídicas domiciliadas no exterior.

No atual quadro, ao contrário do que acontece com as sociedades comerciais brasileiras, que têm que identificar todos os seus sócios e administradores, existe o sigilo avalizado pelo próprio Estado brasileiro quanto à composição societária das pessoas jurídicas domiciliadas no exterior. De fato, o artigo 15 da Instrução Normativa nº 748 excepciona a não-apresentação do quadro de sócios e administradores para as pessoas jurídicas domiciliadas no exterior. Assim, essas empresas conseguem obter a inscrição no CNPJ e passam a atuar no país sem identificarem seus sócios e administradores. Precisam apenas indicar um procurador, que, muitas vezes, é apenas um laranja, sem qualquer relação profissional ou comercial com a pessoa jurídica domiciliada no exterior.

Pior: atualmente exige-se das pessoas jurídicas domiciliadas no exterior somente um documento equivalente ao ato constitutivo. Isso quer dizer uma mera declaração emitida por uma entidade pública de paraíso fiscal com o nome da empresa, data de sua abertura, natureza jurídica, objeto social e endereço. Esse documento é inidôneo para a identificação de administradores e sócios pessoas físicas. Depois, o Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf) solicita informações para a mesma entidade pública de paraíso fiscal, quase sempre, sem resposta.

Ora, se no Brasil a constituição das sociedades comerciais deve cumprir os requisitos legais mínimos, tais como a apresentação de estatutos sociais ou contratos sociais, com muito maior razão devemos exigir, pelo menos, os mesmos documentos das pessoas jurídicas domiciliadas no exterior. Os princípios gerais da atividade econômica previstos no artigo 170 da Constituição Federal, notadamente os relativos à soberania nacional e à livre concorrência, são flagrantemente desrespeitados pelo sigilo ensejado às pessoas jurídicas domiciliadas no exterior. A soberania nacional é atingida quando o sigilo impede a identificação da autoria de crimes cometidos sob o manto de empresas “fantasmas” criadas em notórios paraísos fiscais. Por sua vez, a livre concorrência é eliminada, quando o não-recolhimento de tributos é acobertado pelo anonimato e pela impossibilidade de responsabilização dos sócios e administradores na cobrança de dívidas fiscais.

Assim, se o presidente Lula quer mesmo materializar o que disse na reunião do G20, pode começar pela alteração da referida instrução normativa, igualando os estrangeiros aos contribuintes brasileiros, bem como pode determinar a completa varredura em todos os demais atos normativos infralegais, que eventualmente beneficiem esse tipo de atuação econômica nefasta das empresas offshore. Essas medidas administrativas simples terão o condão de combater a sonegação fiscal e a lavagem de dinheiro, entre tantas outras atividades ilegais ligadas à utilização de empresas offshore no quadro societário de empresas fantasmas no Brasil. Desse modo, inverte-se um importante ônus: em vez de corrermos atrás de quebras de sigilos intransponíveis, passamos a exigir das pessoas jurídicas domiciliadas no exterior que pretendam atuar no país a mesma transparência que exigimos dos contribuintes brasileiros.

Nunca antes na história desse país simples alterações de atos normativos infralegais terão tido tamanho impacto no combate à lavagem de dinheiro e à sonegação fiscal. Ressalte-se que tais medidas independem de difíceis acordos políticos no Congresso Nacional ou mesmo de negociações diplomáticas meridionais. Simplesmente estaremos igualando administrativamente os estrangeiros que pretendam participar da atividade econômica no Brasil com os contribuintes brasileiros, na direção da almejada justiça fiscal. Pois uma coisa é a facilidade para a abertura de empresas offshore em paraísos fiscais à nossa revelia; outra é nossa permissividade administrativa ao conferirmos inscrição no CNPJ para que empresas offshore constituídas em notórios paraísos fiscais atuem livremente no Brasil.

Portanto, impõe-se a alteração da Instrução Normativa nº 748 para exigirmos a identificação do quadro de sócios e administradores, bem como o depósito de tantos contratos sociais ou estatutos sociais quantos sejam necessários para a identificação de todos os administradores e sócios pessoas físicas das pessoas jurídicas domiciliadas no exterior, sob pena de declaração de inaptidão para a obtenção de nova inscrição no CNPJ e para a regularização das inscrições já existentes. Da mesma forma, faz-se necessária uma varredura completa nos demais atos normativos infralegais sobre a matéria, sob pena de desperdiçarmos a liderança e o verbo presidenciais, ao sermos golpeados pela inércia na feitura da lição de casa com prejuízos evidentes para o papel do Brasil na construção de uma nova ordem econômica mundial sem paraísos fiscais.

Heráclio Mendes de Camargo Neto e Filemon Rose de Oliveira são procuradores da Fazenda Nacional no Estado de São Paulo
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações



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